terça-feira, 15 de janeiro de 2008

Desenho sobre representação

Out(in)dor

“Primeiramente, causou-me certa perplexidade ou susto ver o trabalho naquelas circunstâncias. Tive uma reação de defesa, e me senti um purista reacionário, protetor da beleza, tomado por excessos de narcisismo e de ofensa...” (João Cirilo)
Em junho de 2003, no hall do primeiro andar do Atelier de Artes da UFPA, se encontrava um trabalho representando um detalhe da cidade de Belém. Fios elétricos se entrecruzando em meio a um horizonte indefinido, parecendo sombras de impressões em torno de uma forma registrada em momentos de puro impulso poético. Tratava-se de um painel já integrado ao ambiente citado, apresentada em uma exposição intitulada “Cidades Invisíveis”, resultado da disciplina Linguagem Visual do segundo semestre de 2002, apresentada em março do mesmo ano, intitulado “Out (in) door” do então aluno João Cirilo. Percebendo o quanto a pichação pode se tornar comum dentro de um cenário urbano já acostumado com inscrições por toda parte, seja na sala de aula, no pátio de recreação ou nos banheiros, optamos por fazer de nosso próprio ambiente de estudo (Atelier de Artes) um campo de experimentação, pois a aparência asséptica do atelier apresentava-se como uma boa oportunidade para o enfrentamento de idéias. A obra com aproximadamente 7mx3,5m, feito em folhas de papel 40 e 60kg, já se encontrava como algo comum, como um objeto decorativo pendurado na sala de estar integrado ao ambiente “fechado” protegido pela arquitetura instalada. E assim como uma tela em branco instiga um artista a criar algo a partir das necessidades interiores de dialogar com o mundo expressando suas inquietações e questionamentos diante das coisas, o imenso painel parecia pedir um estímulo para continuar vivo ou mesmo decretar sua morte, pois o papel colado na parede mais parecia com uma pele de um cadáver de laboratório de estudos de medicina exposta a ação do tempo que apesar de seus conservantes artificiais mostrava-se já indefesa e decadente. Durante dias, muitas foram às conversas em torno deste trabalho que já começava a incomodar fomo uma farpa cravada na carne. Junto com outro pixador por condição optamos por fazer daquele espaço um caderno de rabiscos tortos dentro de um grau de experimentação ainda não vivenciada por nós neste contexto. “Negar” todo o conhecimento que durante aproximadamente quatro anos fomos adquirindo ou até mesmo tidos como princípios básicos dentro das relações artísticas apresentadas pelos nossos professores, acarretaria em negar a “nós” mesmos, negar o que se vinha fazendo durante todo o tempo da academia. Subverter os valores enraizados tornava-se algo perigoso. Mas tudo não passava de um jogo entre a razão e a paixão onde ao mesmo tempo em que medo insistia em castrar os impulsos, algo ainda maior fervilhava por dentro. No decorrer da caminhada por entre os corredores vazios e tenebrosos da universidade, somente o som dos passos e da lata de spray orquestrava o bailar em direção a matéria bruta. Ao subir as rampas que davam acesso ao pátio do primeiro andar do Atelier de Artes, se tinha a impressão de estar dentro de um sonho onde tudo era possível; os medos, os desejos, os conceitos tudo parecia se mesclar como um monte de pedaços de condimentos dentro de um liquidificador ligado na ultima rotação. Uma vitamina perfeita para que tudo virasse um brincar, um faz de conta, um jogo lúdico. Primeiramente ficamos a espreita, esperando o momento certo, adaptando-nos ao ambiente esquivando-se da luz e encontrando na escuridão o conforto estranho da solidão. As batidas do coração e a visão parecia tornar-se algo totalmente harmônico. Agora tudo não dependia de nada. Somente as trocas de olhares em meio à penumbra hora por outra rompida pela luz do farol dos carros, criava um ambiente mágico e propício para a utopia traçar o tempo. Risos! De repente o silencio é violado pelo som da peteca do spray a chacoalhar dentro da lata e misturar a tinta ao verniz, som este que imprimia um grau maior de tensão, ampliando e estabelecendo uma lei própria e passível de intensificação. Ao pressionar o bico, a força impulsionada pela pressão do gás expelia a tinta que ditava o ritmo dos traços. A cada segundo, linhas e formas logo iam surgindo em um plasmar de idéias a se entrecruzarem em um gestual de gozo continuo e performático. Em questões de segundos tudo se tornava real. A cada nova decisão para obtenção das formas, outras possibilidades surgiam, libertas de pré-condições estruturais. Neste processo o criar , tornava-se um significar, poder transformar transformando-se, renovando-se em níveis suficientes garantindo assim a vitalidade da própria ação dentro do fazer junto à matéria. Como se ao formar novas estruturas na matéria enquanto objeto artístico em processo de reconfiguração e valorização do ato como um reflexo de sobreposições de pensamentos em construção contínua.
Fernando d'Pádua

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