terça-feira, 15 de janeiro de 2008

PICHAÇÀO: JACKSON POLLOCK REVIVE AQUI


"Tudo aquilo que a nossa civilização rejeita, pisa e mija em cima serve para a poesia "
Manoel de Barro
(fragmento do poema Matéria de Poesia do livro Matéria de Poesia (1974)

Na década de 50 nos Estados Unidos surgiu uma corrente abstrata na pintura contemporânea que foi denominado pelo crítico americano Harold Rosemberg de Action Painting (Pintura de Ação), e que costuma ser designado também por Expressionismo Abstrato. É uma corrente da pintura gestual que teve em Jackson Pollock seu mais conhecido representante que inclui ainda artistas como Mark Tobey, Franz Kline, Willem de Kooning entre ouros.
Pollock foi certamente o artista de maior projeção dessa corrente, a tal ponto que passou a sinalizar o que se chama de Expressionismo Abstrato, na medida em que suas obras caracterizavam-se por uma/poética da ação. Pollock era um artista de temperamento agressivo apontado por alguns críticos como uma personalidade "intragável", contudo, de indiscutível talento. O teórico italiano Renato de Fusco em seu livro "História da Arte Contemporânea" considera Kline o maior representante da Action Painting, mas a preponderância e originalidade do estilo de Pollock superaram o de seus colegas a ponto de seu gestual pictórico ser, nos dias de hoje, reconhecido como sinônimo de ação.
Em Belém temos identificado há algum tempo ecos de uni certo "expressionismo abstrato" num sentido revelador da ação de Pollock. Estes gestos tomaram a cidade de assalto constituindo um novo campo de experiências interferindo na materialidade urbana. Belém contemporânea apresenta marcas da "ação" de novos expressionistas que num tal sentido colocam na
concretude da cidade expressões que apontam para o lugar da sobrevivência cotidiana.
A cidade deixou há muito de se constituir como um lugar asséptico, onde o designativo do epíteto feliz (Feliz Luzitânia e Cidade Feliz) sucumbe ante as intervenções ousadas de nossos invisíveis expressionistas. Ela carrega as "digitais" cáusticas de quem rasteja na borda do sistema. O lugar se configura a partir dos signos da pichação - a Action Painting também é caracterizada como uma pintura sígnica - lugar de tensão.
Importa aqui falar do sentido da ausência e do vazio produzido pelo capitalismo a subjugar os indivíduos a um estado de excludência das condições de cultura, lazer, educação como direitos inalienáveis do ser humano. A ausência de reativação das subjetividades revelam-se nas traços do spray, paradoxalmente, comunicando as condições de miséria material e espiritual a que estamos submetidos.
As pichações sobre terminadas superfícies pela cidade, reinventam, pela sobreposição agressiva e excessiva do spray um certo expressionismo abstrato. A ação definidora do movimento americano renasce nas pichações. Poderíamos nas palavras de Fusco sobre a obra de Pollock aludir às paredes de Belém, "como se no emaranhado de linhas e no labirinto de cores se intuísse ainda a presença de um monstro imaginário (ou de um adversário invisível) que se sente apanhado na armadilha e tenta libertar-se"1. Só que nestas bandas, o monstro está bem visível em forma daquilo que Hayeck chamou cinicamente de neoliberalismo, materializado tardiamente nos trópicos, na desestruturação da sociedade brasileira e vangloriado pêlos epígonos do eficientísmo desenvolvimentista e privatista.
Mesmo não sendo o dripping (técnica de pingar tinta do pincel sobre a tela imortalizado por Pollock), os gestos de nossos "artistas", incorporam uma energia pulsante, não como processo catártico em confronto com monstros interiores corno no pintor americano, mas como comunicação intensa de vozes periféricas, prenhes de necessidades e desejos, na tela-cidade em branco a solapar qualquer possibilidade do frívolo epíteto.
Somos impelidos no cotidiano bocejante a contemplar as pichações que apinham as fachadas, os muros, os portões na epiderme doída da metrópole paraense. Belém configura -se hoje como uma espécie de folha de papel nas mãos de uma criança, a cobri-la de rabiscos e garatujas subversivas e que papai, mamãe e a tia são impossibilitados de reconhecerem como bonitinhos. É provável que as pichações não se enquadrem num qualquer estilo de arte (embora aqui façamos alusão ao Expressionismo Abstraio), nem se afirmam como atitudes artísticas, mas isto é irrelevante ante o fato de que têm criado uma instigante escrita a subverter a tão ansiada cidade asséptica.
A Belém do agora é nada mais que campo de possibilidade para transeuntes sonolentos. Cidade-obra revestida de vitalidade dos gestos a construírem uma cidade outra, onde a ação pulsante vibra a partir


Luizan Pinheiro 2003

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